Finalista na disputa do Oscar de
melhor filme estrangeiro em 2018, o filme "Corpo e alma" (On Body and Soul/Teströl és lélekröl) da diretora húngara
Ildikó Enyedi apresenta a história de duas pessoas enamoradas numa narrativa
com belas metáforas visuais e com um toque de fantasia. O filme se passa num abatedouro de Budapeste, onde
conhecemos o ambiente dos trabalhadores e dos bois que estão esperando sua hora chegar. Os personagens principais da película são uma inspetora
de controle de qualidade, Mária (Alexandra Borbély), e o dono do abatedouro, Endre
(Géza Morcsányi). Ele é um deficiente físico que perdeu os movimentos de um dos
braços, e ela, uma autista que treina incessantemente para se comunicar da
maneira mais próxima das outras pessoas. A relação entre esses dois personagens
no filme é explorada em dois níveis que se cruzam o tempo inteiro: o do sonho e
o da vida real.
Tanto Mária quanto Endre sonham
que são cervos vivendo numa floresta onde eles se encontram toda noite. Nesta
narrativa, um dos destaques que pode chamar a atenção do espectador é a
aproximação entre a relação dos humanos com a dos animais. Sabemos que o mundo
dos animais é um mundo que gira em torno de sua relação estabelecida com a
natureza. A existência dos animais num ambiente onde o seu corpo fora adaptado
durante milhares de anos para sobreviver por si só basta. Nesse sentido, há
comunicação entre eles, mas não é preciso haver a fala. Aliás, a palavra fala
revela em seu étimo (fabulare) a
noção de conversar e contar fábula, o que, de certa forma, coloca em jogo uma
relação que se estabelece entre pelo menos duas pessoas.
Nesse aspecto, o filme põe em
cena dois extremos: a comunicação dos animais que prescinde da língua, ou seja,
da palavra, até chegar à falta da necessidade de comunicação humana que é a
morte representada no filme pela cena de suicídio. Mária, nossa protagonista, não
se comunica oralmente nos mesmos moldes das outras pessoas, mesmo tendo uma percepção
sensitiva muito mais aguçada do que qualquer outro personagem. O desafio de Endre
é justamente tentar estabelecer um relacionamento com sua funcionária, já que
desde à primeira vista ela tinha chamado sua atenção (e vice-versa). É claro
que muitos obstáculos surgem durante a aproximação desse casal devido às
peculiaridades da protagonista.
Acompanhar o desenrolar dessa história
de amor fora do padrão por adentrarmos num mundo pouco explorado foi uma boa experiência. A
comunicação humana através da fala é o grande ponto-chave para entendermos o
desenvolvimento dos personagens principais e de outros personagens periféricos.
O desafio de Mária para se relacionar com Endre é quase tão penoso de assistir
quanto o de Endre de tentar compreender a forma como ela se comunica com ele
através de outros sinais (o olhar, os gestos corporais). O filme não erra ao acrescentar um toque de humor a
diversas cenas com os dois. Neste filme, percebemos que os obstáculos no mundo humano
que impedem duas pessoas de compartilharem suas existências são muitos, ainda
que haja uma paixão entre elas, mas se as almas conseguem, de alguma maneira,
se comunicar, os corpos também conseguem.
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