quinta-feira, 15 de fevereiro de 2018

A comunicabilidade humana em "Corpo e alma"



Finalista na disputa do Oscar de melhor filme estrangeiro em 2018, o filme "Corpo e alma" (On Body and Soul/Teströl és lélekrölda diretora húngara Ildikó Enyedi apresenta a história de duas pessoas enamoradas numa narrativa com belas metáforas visuais e com um toque de fantasia. O filme se passa num abatedouro de Budapeste, onde conhecemos o ambiente dos trabalhadores e dos bois que estão esperando sua hora chegar. Os personagens principais da película são uma inspetora de controle de qualidade, Mária (Alexandra Borbély), e o dono do abatedouro, Endre (Géza Morcsányi). Ele é um deficiente físico que perdeu os movimentos de um dos braços, e ela, uma autista que treina incessantemente para se comunicar da maneira mais próxima das outras pessoas. A relação entre esses dois personagens no filme é explorada em dois níveis que se cruzam o tempo inteiro: o do sonho e o da vida real.

Tanto Mária quanto Endre sonham que são cervos vivendo numa floresta onde eles se encontram toda noite. Nesta narrativa, um dos destaques que pode chamar a atenção do espectador é a aproximação entre a relação dos humanos com a dos animais. Sabemos que o mundo dos animais é um mundo que gira em torno de sua relação estabelecida com a natureza. A existência dos animais num ambiente onde o seu corpo fora adaptado durante milhares de anos para sobreviver por si só basta. Nesse sentido, há comunicação entre eles, mas não é preciso haver a fala. Aliás, a palavra fala revela em seu étimo (fabulare) a noção de conversar e contar fábula, o que, de certa forma, coloca em jogo uma relação que se estabelece entre pelo menos duas pessoas.


Nesse aspecto, o filme põe em cena dois extremos: a comunicação dos animais que prescinde da língua, ou seja, da palavra, até chegar à falta da necessidade de comunicação humana que é a morte representada no filme pela cena de suicídio. Mária, nossa protagonista, não se comunica oralmente nos mesmos moldes das outras pessoas, mesmo tendo uma percepção sensitiva muito mais aguçada do que qualquer outro personagem. O desafio de Endre é justamente tentar estabelecer um relacionamento com sua funcionária, já que desde à primeira vista ela tinha chamado sua atenção (e vice-versa). É claro que muitos obstáculos surgem durante a aproximação desse casal devido às peculiaridades da protagonista.

Acompanhar o desenrolar dessa história de amor fora do padrão por adentrarmos num mundo pouco explorado foi uma boa experiência. A comunicação humana através da fala é o grande ponto-chave para entendermos o desenvolvimento dos personagens principais e de outros personagens periféricos. O desafio de Mária para se relacionar com Endre é quase tão penoso de assistir quanto o de Endre de tentar compreender a forma como ela se comunica com ele através de outros sinais (o olhar, os gestos corporais). O filme não erra ao acrescentar um toque de humor a diversas cenas com os dois. Neste filme, percebemos que os obstáculos no mundo humano que impedem duas pessoas de compartilharem suas existências são muitos, ainda que haja uma paixão entre elas, mas se as almas conseguem, de alguma maneira, se comunicar, os corpos também conseguem.

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